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Fatores Humanos: Sabotadores da sua Jornada

Nesta edição, exploraremos alguns desafios enfrentados durante uma Jornada de Fatores Humanos dentro do contexto organizacional. Vamos nos referir a esses desafios como "sabotadores", um termo sugerido por um profissional experiente da área operacional, que tem se dedicado à aplicação dos princípios de Fatores Humanos em suas decisões diárias.

Após a leitura da edição anterior, na qual abordei a definição dos Fatores Humanos e apresentei exemplos didáticos, estou confiante de que agora você já possui os 5 passos essenciais para iniciar sua Jornada. No entanto, reconheço que algumas dúvidas podem ter surgido durante a leitura, tais como:

• Ah, quero ver isso aplicado no mundo real; na prática, a situação é mais complexa;
• Se eu levar isso para a Diretoria, eles podem interpretar como uma defesa dos problemas da empresa;
• Como aplicar esses conceitos diante de tantas normas regulatórias e exigências dos clientes?

Ao considerar tais questionamentos potenciais, optei por identificar alguns sabotadores comuns que você pode encontrar nesta Jornada. É importante ressaltar que essa lista não é exaustiva, e as sugestões de abordagem não se trata de uma solução definitiva, mas simuma provocação para que você possa realinhar seu caminho sempre que julgar necessário.

A Segurança em Ação x Segurança Normatizada

É importante reconhecer a distinção entre Segurança em Ação e Segurança Normatizada (Morel, Amalberti, Chauvin, 2008). Enquanto a primeira representa a segurança real que se manifesta no dia a dia, a segunda está associada às normas, regras e procedimentos. A convergência desses conceitos, conhecida como Segurança Sistêmica (Daniellou, Simard, Boissières, 2010), apresenta um dos primeiros desafios que podem se tornar "sabotadores" durante a Jornada de Fatores Humanos.

Normas, regras e procedimentos são geralmente desenvolvidos com a intenção de aumentar a segurança real. Contudo, é crucial reconhecer quando o excesso de regulamentação pode falhar em promover a segurança desejada ou até mesmo criar novos riscos (Dekker, 2001; Hale & Borys, 2013). Este é um aspecto fundamental a ser considerado diante desse primeiro "sabotador".

Quando as regras passam a ter mais importância do que a própria segurança, é hora de reavaliar a estrutura estabelecida para garantir que a Segurança Real não seja comprometida pela Segurança Normatizada.


Em uma brincadeira com uma frase icônica do pai da Gestão Moderna, Peter Drucker, podemos dizer que:A Segurança em Ação devora a Segurança Normatizada no café da manhã”.


Certa vez, conversando com um Profissional de Altíssima Liderança em uma Operação Offshore, ele me contava de um teste que fizeram para verificar a operacionalidade de um equipamento (que já havia sido testado em outras situações) e o quanto arriscado era a realização deste teste. Neste caso se arriscar ao ponto de um acidente trágico era importante porque era uma exigência do padrão.

É provável que você também já tenha se deparado com uma grande quantidade de verificações, liberações e procedimentos que, devido ao excesso, atrasam o início de uma tarefa, resultando em uma pressa posterior para concluí-la dentro do prazo estipulado.

Outra situação comum é a imposição de novos padrões, verificações e procedimentos após a ocorrência de eventos inesperados. Um exemplo simples e familiar para muitos leitores pode ajudar a ilustrar este ponto. Veja só:

O Diálogo Diário de Segurança (DDS) foi concebido e implementado como uma oportunidade para os profissionais discutirem diariamente a segurança das tarefas que realizariam durante o dia. Uma bela iniciativa por sinal.

Contudo, em determinado momento, surgiu a necessidade de documentar essas conversas. Assim, criamos uma lista de presença para registrar a participação no DDS.

Com o passar do tempo, questionamos se havia temas suficientes para todos os dias e se a abordagem estava se tornando repetitiva. Para resolver isso, desenvolvemos um livro com 365 temas variados relacionados ao trabalho.

Entretanto, percebemos que apenas a lista de presença não era suficiente. Era importante registrar o conteúdo das conversas, garantir a participação dos trabalhadores e verificar o uso adequado dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). Por isso, incluímos uma seção para atas, um campo para comentários, e até mesmo um check para os EPIs, além de adicionar expressões faciais para indicar o estado emocional dos participantes.

No final, diante das dúvidas sobre a eficácia e conformidade do DDS, implementamos uma auditoria ou checklist de verificação. 

Infelizmente, ao longo desse processo, acabamos por complicar uma iniciativa inicialmente simples e valiosa: o diálogo diário com os colaboradores sobre a segurança das tarefas.

Compreender a distinção entre Segurança em Ação (Real) e Segurança Normatizada, especialmente quando isso impacta o objetivo da ação, é o primeiro passo crucial para neutralizar um sabotador.

Como podemos alcançar isso? Através de diálogos com aqueles que lidam com a parte normatizada, buscando compreender como podemos alinhar esses procedimentos para que façam sentido com a ação em si.

É fundamental ressaltar que a intenção não é eliminar a Segurança Normatizada, pois isso seria contraproducente. Como mencionado anteriormente, Normas, Padrões e Regras devem ser concebidos para complementar a Segurança em Ação, e não para aumentar a burocracia desnecessária.

 

ideia de Segurança a parte do negócio

Frequentemente, observamos abordagens de Segurança que se distanciam consideravelmente dos objetivos e capacidades do negócio, resultando em estratégias que não se alinham com as necessidades da Organização.

Encarar os Fatores Humanos exclusivamente sob a perspectiva da segurança é um desperdício de potencial, considerando como essa abordagem pode impulsionar a empresa diante dos desafios dos sistemas sociais e tecnológicos em um ambiente cada vez mais complexo.

Uma tendência comum em publicações sociais e organizacionais é discutir a introdução dos princípios do HOP (Human and Organizational Performance) e sua conexão com a Jornada de Fatores Humanos. Abaixo está a mais recente atualização desses princípios.

1. O erro é normal. Mesmos as melhores pessoas comentem erros;
2. A Culpa não corrige nada;
3. Aprender e melhorar são vitais. Aprender é deliberado;
4. O Contexto impulsiona o comportamento. Os sistemas direcionam os resultados.
5. Como os líderes agem e respondem aos fracassos é importante;
6. Controles salvam Vidas (a mais nova inclusão).

Limitar a aplicação dos princípios organizacionais apenas ao aspecto da segurança é subutilizar seu potencial, já que tais princípios têm o poder de impulsionar diversos aspectos do crescimento da empresa, incluindo inovação, conformidade, qualidade e desempenho geral.

Quando restringimos sua aplicação apenas à segurança, corremos o risco de encontrar mais um obstáculo no caminho. Os princípios podem se tornar meros discursos em Diálogos Diários de Segurança (DDS) e aberturas de reuniões, e sua aplicação pode ser negligenciada quando não é estabelecida uma conexão clara com os objetivos de negócio.

É essencial reler os princípios e estabelecer conexões com exemplos práticos do cotidiano corporativo, especialmente em áreas-chave de produção. Devemos destacar como a aprendizagem e a melhoria contínua podem tornar os profissionais mais eficientes, e como a manutenção de um ambiente organizado pode impactar positivamente a satisfação do cliente.

Em mais um exemplo, uma Jornada focada exclusivamente na segurança pode enfrentar dificuldades ao abordar conceitos como aprendizagem e confiança, especialmente quando o departamento jurídico ou a liderança optam por demissões arbitrárias, indo contra aos esforços para lidar com a variabilidade de forma justa e progressiva. É crucial que a organização adote uma visão unificada e integrada para alcançar o sucesso sustentável.

Ainda dentro dessa perspectiva de priorizar a segurança em detrimento de considerá-la parte integrante do negócio, surge uma lacuna nos investimentos estratégicos. É bastante comum encontrarmos recomendações para tecnologias ultra avançadas e de alto custo, mesmo em negócios que não têm capacidade de suportar tais implementações. Isso muitas vezes leva à desvalorização de medidas mais simples que poderiam contribuir significativamente para o aprimoramento do desempenho.

"Vamos refletir sobre algo: nem todo profissional de segurança, por mais que considere a segurança um valor inegociável, possui o carro mais seguro à disposição. Por vezes, questões de investimento, prioridades e responsabilidades impedem essa escolha, e precisamos gerenciar os riscos de outras formas. De maneira análoga, isso também se aplica às organizações."

Ainda dentro do contexto da Segurança como parte integrante do negócio, é fundamental compreender que, em uma organização, cada indivíduo desempenha um papel específico, e ignorar as interfaces entre esses papéis é mais um obstáculo para integrar a Segurança aos objetivos da empresa.

É comum presenciar apresentações do pessoal de Saúde, Meio Ambiente e Segurança (SMS) apenas em eventos de crise, como acidentes, porque são percebidos como os únicos responsáveis pela segurança. Da mesma forma, é rotineiro que profissionais de Segurança não se envolvam em reuniões de planejamento de obras, alegando que não fazem parte desse processo. Eu mesmo compartilhava dessa visão até ser influenciado por um líder chamado Henri Von Buren, que me fez enxergar de maneira diferente.

Essa abordagem de tratar a segurança como uma entidade separada dentro da organização é um grande “sabotador” para a Jornada de Fatores Humanos e pode resultar apenas em discursos motivacionais vazios, com poucos investimentos práticos.

 

“O Silêncio da Organização”

A abordagem tradicional de Segurança muitas vezes é associada à punição, levando os trabalhadores a enxergarem os profissionais de segurança como figuras semelhantes a policiais ou xerifes da obra.

Essa mentalidade não se restringe apenas à área de Segurança, mas também enfatiza a não priorização da segurança dentro da organização. Isso reflete uma cultura profundamente enraizada de Comando e Controle e Distanciamento de Poder, na qual a punição é valorizada como um método para induzir mudanças significativas.

Nesse cenário, a escuta é frequentemente negligenciada e os mensageiros são silenciados. Quando a escuta ocorre, a falta de retorno contribui para um afastamento generalizado do engajamento no crescimento da organização.

Consequentemente, a organização, é invadida por um silêncio, gradualmente perde sua resiliência. Variações não são toleradas, resultando em uma ausência de aprendizado e melhoria.

Os profissionais perdem a motivação para contribuir com o desempenho organizacional e podem, inadvertidamente, tornar-se sabotadores da jornada.

Certamente, ao liderar uma equipe e tentar compreender as dificuldades da tarefa, você já se deparou com duas situações distintas: uma participação ativa e interessada, e outra apática e distante. Da mesma forma, suas ferramentas de gestão podem refletir esse silêncio ensurdecedor, como as abordagens comportamentais que não resultam em aprendizado, reuniões de Diálogo Diário de Segurança (DDS) sem interesse por parte dos participantes, ou até mesmo encontros com a liderança onde ninguém se sente à vontade para se expressar.

Às vezes, tomamos decisões que, na visão tradicional, são interpretadas como medidas para aumentar a segurança. No entanto, essas ações acabam gerando ainda mais silêncio daqueles que têm conhecimento sobre o trabalho, como, por exemplo, realizar uma parada geral quando um colega se machuca em um acidente. Essa parada pode resultar em multas, repreensões e até processos disciplinares que não estão diretamente relacionados ao incidente. Embora possa parecer que estamos incentivando o engajamento ao promover essa parada, na realidade estamos afastando ainda mais as pessoas da participação ativa e das contribuições.

É crucial estabelecer mecanismos de escuta eficazes, mas não basta apenas ouvir - também é essencial fornecer feedback. Os canais de comunicação devem permanecer abertos e é necessário aproximar a tomada de decisões da operação, tornando-a mais próxima da realidade e mais participativa.

Para fortalecer e dar importância aos feedbacks, é essencial saber como qualificar as informações recebidas. É fundamental compreender que todo retorno é valioso e que a consistência e confiança na participação estão diretamente relacionadas ao comprometimento da organização em fornecer respostas, não apenas em ouvir.

 

“A persistência na virada do Transatlântico”

Por último, um grande sabotador desta Jornada é desistir das mudanças esperadas quando ainda estamos nos estágios iniciais, durante o processo de engajamento e fluência, como discutido no texto da edição de abril desta mesma revista.


É uma armadilha acreditar que as abordagens em Fatores Humanos proporcionam resultados imediatos. Costumamos usar a analogia de que é como tentar mudar a direção de um transatlântico em vez de um Jet-ski, enfatizando que a mudança é muito mais lenta e gradual.

Requer um esforço significativo e dedicação para manter a persistência diante dos sabotadores que surgirão ao longo da Jornada. 

É bastante comum que as conversas, treinamentos e mensagens cheguem antes das mudanças reais. Da mesma forma, é comum que as transformações práticas demorem um pouco para acontecer depois que todos estão engajados e começam a entender o que precisa ser feito."

Neste momento, é crucial perseverar. Estabelecer paradas estratégicas para reabastecer a jornada, revisar os elementos que já não contribuem mais de forma eficaz e garantir que todos os participantes estejam alinhados com os objetivos são passos fundamentais.

Como mencionei no início desta publicação, aqui estão alguns dos sabotadores reais que você encontrará ao longo da Jornada, embora não sejam os únicos. A noção de Jornada, com sua resiliência e adaptabilidade, é fundamental para superar todos os obstáculos que surgirão.

Aprender e crescer ao longo desta jornada é essencial. Espero que, ao terminar a leitura, você possa refletir sobre suas próprias dificuldades e obter dicas sobre como avançar diante desses "sabotadores" e enfrentá-los de forma constante.

Encontro vocês na próxima publicação! Até lá...



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